Introdução

A morna é um género musical e de dança de Cabo Verde. Tradicionalmente tocada com instrumentos acústicos, a morna reflecte a realidade insular do povo de Cabo Verde, o romantismo intoxicante dos seus trovadores e o amor à terra (ter de partir e querer ficar).

Nos últimos anos, a morna foi levada a ser conhecida internacionalmente por vários artistas, nomeadamente em França e nos Estados Unidos, sendo a mais famosa Cesária Évora. O timbre da voz desta diva tem conquistado e alargado o público da morna, de Cabo Verde até o Olympia, passando pelo Carnegie Hall, pelo Hollywood Bowl e pelo Canecão.

A morna é o género musical que mais identifica o povo cabo-verdiano. Trata-se verdadeiramente de um símbolo nacional, do mesmo modo que o tango é para a Argentina, a rumba para Cuba, o samba para o Brasil, etc. Alguns géneros musicais de Cabo Verde podem ser mais ou menos apreciados pelos nativos conforme a idade do ouvinte, a época, a ilha de origem, o gosto pessoal, mas a morna é o único género que consegue ser largamente transversal a todos os grupos etários, cronologicamente, geograficamente, etc.

É também o único género que sempre gozou de mais prestígio e de um carácter mais «nobre» em Cabo Verde.


História

A história da morna pode ser dividida em vários períodos,2 5 nem sempre reunindo o consenso entre estudiosos:

1.º período: as origens

Não se sabe ao certo quando e onde surgiu a morna. A tradição oral6 tem como dado assente que a morna surgiu na ilha da Boa Vista, no séc. XVIII, mas não existem registros musicológicos a corroborar isso. Mas a afirmação de Alves dos Reis7 que durante o séc. XIX, com invasão de polcas, mazurcas, galopes, contradanças e outros géneros musicais em Cabo Verde, a morna não se deixou influenciar, deixa entender que já nessa altura a morna era uma forma musical adulta e acabada.

Mesmo assim, alguns autores2 fazem remontar a morna a um género musical — o lundum — que teria sido introduzido em Cabo Verde no séc. XVIII.8 Existe também uma relação entre a morna e outro género musical que já existia nas ilhas,5 os choros, que são melopeias vocálicas cantadas em certas ocasiões, de que fazem parte as cantigas de trabalho e os choros fúnebres. A morna seria então um cruzamento dos choros com o lundum, com um andamento mais lento e uma estrutura harmónica mais complexa. Alguns autores afirmam que se acelerarmos o andamento de algumas mornas mais antigas da Boa Vista, ou até da morna Força di cretcheu de Eugénio Tavares, obtemos algo muito semelhante ao lundum.

A partir da Boa Vista, essa nova forma musical teria gradualmente passado para as outras ilhas. Nessa altura, a morna ainda não teria a temática romântica que tem hoje, e nem teria o carácter nobilizante que lhe foi conferido depois.

A origem para a palavra «morna» para este género musical é incerta. No entanto existem três teorias, cada uma com os seus defensores e detractores.

Para uns,9 a palavra deriva do inglês to mourn, que significa lamentar ou chorar os mortos. Para outros,10 a palavra tem origem no francês morne, que é o nome dado a colinas ou morros nas Antilhas francesas, onde são interpretadas as chansons des mornes. Mas para a maioria, a palavra «morna» corresponderia ao feminino da palavra portuguesa «morno», numa alusão ao carácter suave e dolente da morna.

2.º período: Eugénio Tavares

No início do séc. XX, o poeta Eugénio Tavares foi um dos principais responsáveis por conferir à morna o carácter romântico que ela tem até hoje. Na ilha Brava, a morna transformou-se, adquirindo um andamento mais lento que a morna da Boa Vista, e a poesia tornou-se lírica com os temas a incidir sobretudo no amor e em sentimentos provocados por esse mesmo amor.

3.º período:B. Leza

Nos anos 30 e 40 a morna adquiriu características especiais em São Vicente. O estilo bravense era muito apreciado e cultivado em todo Cabo Verde nessa altura (há relatos de E. Tavares ter sido recebido em apoteose na ilha de S. Vicente,11 e os próprios compositores de Barlavento escreviam em crioulo de Sotavento,5 provavelmente porque a manutenção das vogais átonas nos crioulos de Sotavento conferiam maior musicalidade). Mas características peculiares de S. Vicente, como o cosmopolitismo e a facilidade de ingerência de influências estrangeiras, trouxeram enriquecimentos à morna.

Um dos responsáveis pelo enriquecimento da morna foi o compositor Francisco Xavier da Cruz (mais conhecido por B. Leza) que, sob influência da música brasileira, introduziu2 5 os chamados acordes de passagem, popularmente conhecidos por «meio-tom brasileiro» em Cabo Verde. Graças a esses acordes de passagem, a estrutura harmónica da morna não se restringiu aos acordes do ciclo de quintas, mas passou a integrar outros acordes que servem de transição aos acordes principais.

A título de exemplo, uma música numa tonalidade de Dó M podia ser enriquecida da seguinte forma:

Sequência de acordes de base:
Dó M Fá M Dó M Sol 7
Sequência de acordes com meios-tons:
Dó M Dó 7 Fá M Fá m 7 5dim Dó M Lá 7 Ré m Sol 7

Outra inovação foi o facto de este período coincidir sensivelmente com o movimento literário Claridade, e por conseguinte houve um alargamento na temática, que deixou de incluir essencialmente temas ligados ao Romantismo, para incluir temas mais realistas.

4.º período: anos 50 a 70

Neste período, um novo género musical, a coladeira, atinge a sua maturidade, e muitos compositores experimentam essa novidade.5 De modo que, os anos 50 a 70 não trouxeram grandes inovações em termos de técnicas musicais para a morna, com os compositores compondo na senda de E. Tavares e B. Leza.

No entanto surgiram composições de «subtil traço melódico e sentimental»,2 e se a nível político começam a surgir movimentos de contestação à política colonial portuguesa, na morna isso é feito de uma forma velada, com um alargamento de temas a incluir louvores à terra natal ou a personagens estimadas na terra natal. Na temática também se vai buscar inspiração em músicas vindas de outras paragens2 (bolero, samba-canção, canção americana, canção francesa, etc.). Nos anos 70 surgiram inclusive composições com carácter de intervenção política.

É também a partir dos anos 60 que se começam a usar instrumentos eléctricos e que se começa a divulgar internacionalmente a morna, quer através de interpretações no estrangeiro, quer através de produção discográfica.

5.º período: os anos mais recentes

Os compositores mais recentes aproveitaram-se de maiores liberdades artísticas para conferir à morna características pouco habituais.5 As mornas mais recentes nem sempre seguem o esquema de ciclo de quintas, há uma grande liberdade na sequência de acordes, as estrofes musicais nem sempre têm um número rígido de versos, na melodia as reminiscências do lundum praticamente desapareceram, e alguns compositores tentam a fusão da morna com outros géneros musicais.